sábado, fevereiro 24, 2018

Liberação das drogas não acabará com o crime organizado no Rio de Janeiro



por Bernardo Santoro(*).





No bojo da discussão sobre a intervenção na segurança pública do Rio, vários amigos meus retomaram a discussão sobre a liberação das drogas.

Segundo eles, a liberação das drogas acabaria com o financiamento do crime organizado no Rio de Janeiro e resolveria o problema da criminalidade.

A esse argumento nós podemos chamar de “defesa utilitária da liberação das drogas”.

Se tem um argumento que eu considero hoje realmente SEM SENTIDO nessa discussão, é esse argumento utilitário.

Os defensores do argumento utilitário partem do pressuposto que o mercado de consumo de drogas, que é mercado negro em virtude da ilegalidade atual, é um mercado isolado e ensimesmado.

Na verdade, ele está inserido em um mercado muito maior, que é o mercado negro do crime como atividade lucrativa.

O mercado do crime como atividade lucrativa abrange várias condutas ilegais: roubos, sequestros, assassinatos por encomenda, venda de proteção contra o próprio vendedor (milícia), bicho, estelionato, escravidão sexual, etc. O mercado de drogas é apenas mais um deles.

Se fôssemos fazer uma alusão à economia tradicional, poderíamos até montar curvas de preferência para chegarmos a uma taxa de substituição de atividade criminosa, ou seja, o quanto um agente criminoso pode substituir a prática de um crime por outro mais lucrativo, ainda que com maiores chances de ser reprimido, no esforço de maximizar a sua satisfação individual.

Em um cenário de deterioração da segurança pública e das instituições, em que a taxa de lucro de uma atividade criminosa é muito alta, pouco importando a atividade em si, em virtude dos problemas “macroculturais” que eu expus em um texto neste mesmo espaço noutro dia, a legalização das drogas apenas faria migrar os agentes econômicos do crime de uma atividade para outra.

Artigo do The Guardian (um jornal esquerdista, e sem possibilidade de ser acusado de conservador), soltou ontem (20/02/18) uma reportagem denunciando exatamente esse fenômeno na Holanda, que estaria virando um narcoestado e com aumento exponencial de todos os outros crimes, inclusive assassinato por encomenda, cujo preço caiu de 50 mil euros por morte para a “bagatela” de 3 mil euros.

Outro problema flagrante se dá com a legalização com alta carga tributária, o que normalmente é o caso, em virtude do elemento extrafiscal do tributo, o que geraria provavelmente um mercado negro incipiente de drogas mesmo com tudo liberado.

A título de comparação, em 2011, no Brasil, foram cerca de 100 bilhões de maços de cigarro legais vendidos, contra cerca de 30 bilhões de cigarros vendidos no mercado negro, em virtude da carga tributária que corresponde a cerca de 80% do preço do cigarro legal. Trocando em miúdos, mesmo com a legalização do cigarro, 23% desse mercado ainda é de contrabando.

Resumindo: a legalização provavelmente diminuiria apenas circunstancialmente o tráfico de drogas, e os criminosos que perdessem espaço no mercado ilegal de drogas, em virtude do grande incentivo econômico e cultural para a prática de crimes no Rio de Janeiro, simplesmente migrariam para outras atividades criminosas, quase certamente mais violentas que o tráfico em si.

Ou se combate as condições que incentivam o mercado negro do crime como um todo, ou vamos apenas trocar os tipos de crimes mais cometidos, com aumento da incidência de roubos, extorsões e assassinatos no Rio de Janeiro.

*Não vou entrar no argumento deontológico hoje, qual seja, se o governo e a sociedade teriam ou não legitimidade para impedir um indivíduo de fazer mal a si mesmo ao consumir drogas. Esse fica pra outro dia.

Nota: texto publicado originalmente no Facebook de Bernardo Santoro com o título “Um ensaio contra o argumento utilitário da liberação das drogas no Rio de Janeiro”.



Fonte- InstitutoLiberal.org.br

(*)Bernardo Santoro-Mestre em Teoria e Filosofia do Direito (UERJ), Mestrando em Economia (Universidad Francisco Marroquín) e Pós-Graduado em Economia (UERJ). Professor de Economia Política das Faculdades de Direito da UERJ e da UFRJ. Advogado e Diretor-Executivo do Instituto Liberal.

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