terça-feira, dezembro 08, 2015

A desordem dos advogados do Brasil.







por Rodorval Ramalho






Sobral Pinto: “A advocacia não se destina à defesa de quaisquer interesses. Não basta a amizade ou honorários de vulto para que um advogado se sinta justificado diante de sua consciência pelo patrocínio de uma causa".



Em tempos de disputa na Ordem dos Advogados do Brasil, tenho me lembrado dos inúmeros depoimentos sobre o exercício da advocacia, ouvidos ao longo da vida, que me remetem a uma imagem bastante desfavorável de uma profissão que pode ser tão importante para construirmos um verdadeiro Estado de Direito.


Os “causos”, as piadas, os chistes sobre advogados são abundantes e sempre nos transmitem um conteúdo que tem como foco a esperteza, a malícia, a ardileza e, ao fim e ao cabo, a falta de limites para a ação profissional. Esse tipo de imaginário sobre a natureza e/ou o modus operandi dos profissionais da advocacia tem uma profunda importância sociológica, pois é produto de uma longa experiência.


Pois bem, parece uma unanimidade, não somente no imaginário popular, que qualquer causa e qualquer cliente é defensável. Afinal, todos têm direito a um advogado para que a justiça seja aplicada de forma adequada. Lembremos de dois ou três casos.


Qual foi o comportamento dos criminalistas brasileiros, entre eles, Márcio Thomaz Bastos, também apelidado modestamente de "God", durante o processo do Mensalão? Qual tem sido o comportamento dos criminalistas nesse processo do Petrolão? Como tem se comportado o exército de advogados do PCC Brasil afora?


Outro dia, Almir Pazzianotto Pinto, advogado do sindicato dos metalúrgicos de São Bernardo na época de Lula, contou que o Apedeuta costumava alertá-lo, já naquele tempo, que “não queria advogado para dizer o que eu [Lula] tenho que fazer. Eu quero advogado para me livrar depois que eu fizer.” O problema é que esse tipo de raciocínio não é exclusividade das mentalidades delinquentes, mas, infelizmente, de uma infinidade de profissionais da advocacia.


O próprio Márcio Thomaz Bastos, em artigo na Folha de São Paulo, chegou a defender que “Não há exagero na velha máxima: o acusado é sempre um oprimido”. E ainda afirmou:

“Ao zelar pela independência da defesa técnica, cumprimos não só um dever de consciência, mas princípios que garantem a dignidade do ser humano no processo. Assim nos mantemos fiéis aos valores que, ao longo da vida, professamos defender. Cremos ser a melhor maneira de servir ao povo brasileiro e à Constituição livre e democrática de nosso país.”

Naquela altura, "God" já havia feito de tudo para livrar a cara dos petistas no processo do Mensalão e já estava “de corpo e alma” em outra causa nobre, defender o pio Carlinhos Cachoeira, mais um "oprimido pela justiça".


A pergunta para refletirmos é: uma defesa jurídica é só um artefato técnico ou haveria algo mais a ser perseguido?


O grande Heráclito Fontoura Sobral Pinto, um dos maiores brasileiros da história, pode nos ajudar a responder essa questão. Atentemos para o que diz essa avis rara do direito nacional:
“O primeiro e mais fundamental dever do advogado é ser o juiz inicial da causa que lhe levam para patrocinar. Incumbe-lhe, antes de tudo, examinar minuciosamente a hipótese para ver se ela é realmente defensável em face dos preceitos da justiça. Só depois de que eu me convenço de que a justiça está com a parte que me procura é que me ponho à sua disposição”.


Sigamos com o jurista católico:

“A advocacia não se destina à defesa de quaisquer interesses. Não basta a amizade ou honorários de vulto para que um advogado se sinta justificado diante de sua consciência pelo patrocínio de uma causa. O advogado não é, assim, um técnico às ordens desta ou daquela pessoa que se dispõe a comparecer à Justiça. O advogado é, necessariamente, uma consciência escrupulosa ao serviço tão só dos interesses da justiça, incumbindo-lhe, por isto, aconselhar àquelas partes que o procuram a que não discutam aqueles casos nos quais não lhes assiste nenhuma razão”. 


Por fim, mais uma dose de decência: 
“É indispensável que os clientes procurem o advogado de suas preferências como um homem de bem a quem se vai pedir conselho. Orientada neste sentido, a advocacia é, nos países moralizados, um elemento de ordem e um dos mais eficientes instrumentos de realização do bem comum da sociedade”.


Que o espírito de Sobral Pinto ilumine as consciências que ainda acreditam que a advocacia não é somente uma “técnica de caça a tesouros”, mas uma dimensão ética da própria vida republicana.



Rodorval Ramalho é sociólogo e professor da Universidade Federal de Sergipe.

Fonte: IPCO

Nenhum comentário: