sábado, setembro 05, 2015

Minha ação no mundo.










por Tiago Amorim (*)



É preciso que cada um examine a si mesmo e confesse as verdades que mais doem. São estas as pistas para a descoberta da trajetória “vital”, configuradora de um destino.


Ao final da Guerra Civil Espanhola, em 1939, Julián Marias assim se referiu ao cenário político que testemunhara: “os justamente vencidos e os injustamente vencedores”. A frase paradoxal expressa a circunstância crítica em que se viram os espanhóis durante aqueles anos, tendo de optar entre ditadores de ambos os lados do conflito.

No Brasil, e guardada as devidas proporções, vivemos num contexto de batalha política. Estamos sob o regime da dúvida, incertos do futuro que nos aguarda. Não sabemos se a presidente continuará no cargo por muito tempo, ou se os líderes de seu partido serão presos; nem mesmo se as instituições serão respeitadas e a democracia – hoje identificada numa operação que promete “lavar” o país – sobreviverá à “corrupção sistêmica” de que falara o novo herói nacional, o juiz Sérgio Moro. De fato as manifestações populares deste ano foram as maiores da nossa história, e quem quer que rejeite isto bom sujeito não é.


Entretanto, e consciente de todas as implicações e complexidades que compõem o cenário político atual, não posso me furtar ao dever de perguntar, primeiro a mim mesmo, o que considero ainda mais radical e importante do que os desdobramentos da novela política que vivemos: quem eu serei depois disso tudo? Se o impeachment ou a cassação tornar-se realidade, que mudanças isso causará em mim? Em meus projetos? Em minhas trajetórias biográficas?

Se aprendi algo com os filósofos espanhóis do século XX, foi justamente isto: as perguntas que importam são as minhas perguntas; aquelas radicalmente minhas, às quais é legítimo gastar toda a minha vida para respondê-las. Estas questões pessoais são expressões das minhas inclinações mais íntimas e as únicas capazes de abrir-me um caminho autoral de vida. Sem isto – a posse das perguntas que motivam e justificam minha ação no mundo – qualquer ação externa, como a política, correrá o risco de ser puerilidade, diletantismo e, no fim das contas, falsidade existencial.

Nas redes sociais pululam exemplos de enfurecidos políticos de ocasião: toda a sua vida parece girar em torno do “Fora PT”. Contudo, valeria perguntar: e quando ele estiver realmente fora? No dia seguinte à queda, o que irá fazer? Qual será o próximo inimigo contra o qual emitirá suas bravatas, suas citações de Thatcher, seu inconformismo acadêmico, seus destemidos ataques de Facebook?

A vocação política existe e há quem esteja entrincheirado nela. Graças a Deus, há quem realize sua trajetória principal expondo as fraquezas dos grandes inimigos públicos e mantendo vivas no inconsciente coletivo as realidades que a própria sociedade não abre mão e tem como seus valores inalienáveis. A ação política, neste sentido, diz respeito a quem nela encontra o meio para responder às suas perguntas pessoais e, apenas nela, viver plenamente.

Isto não exclui o direito que eu, que não tenho vocação política, também tenho de expressar meu descontentamento ou preocupações com o destino do meu país. Exerço meus direitos políticos sem confundir as batalhas. A minha não se dá nesta dimensão da vida, mas em outra. Assumindo a Antropologia Filosófica como meio de resposta às minhas perguntas radicais, dirijo meu olhar ao indivíduo; aos homens e mulheres de carne e osso que protestam, compram pão, dão aulas, fazem dança de salão, não discutem política. À realidade pessoal, substância única que tem o dever de realizar a si mesma e de responder à vida.

É preciso que cada um examine a si mesmo e confesse as verdades que mais doem. São estas as pistas para a descoberta da trajetória “vital”, configuradora de um destino. É a fidelidade a ela, portanto às perguntas que a engendram na passagem dos dias, que pode determinar um destino feliz. Feliz mesmo que politicamente tudo permaneça como está.


(*)Tiago Amorim é professor e mora em Curitiba (PR). É idealizador do curso A Vida Humana (veja) e autor do livro “A Abertura da Alma” (editora Danúbio). Dá aulas no Solar do Rosário e atende em escritório próprio, onde desenvolve um trabalho de aconselhamento individual.

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