quarta-feira, março 25, 2015

Quando os governos merecem a nossa lealdade e quando devemos negá-la?.














Quando os governos merecem a nossa lealdade e quando devemos negá-la?.

por Cel Adamovicz para o Mídia Sem Máscara




A frase que inaugura o livro “Os fundamentos morais da política” do professor Ian Shapiro[i],bem poderia ter sido escrita para descrever a situação atual brasileira.



O que mais vem caracterizando atualmente a discussão política no Brasil é – ou, em tese, deveria ser - os fundamentos morais da política, ou, dito de outra forma, os limites morais de atuação dos governantes.


Ao longo da história é possível verificar diversas ocasiões em que a atuação dos governantes, embora resguardada por um “corpo de leis” que os autorizava a agir de determinada forma, não correspondia aos preceitos morais que conduziam determinada sociedade.

Um dos casos mais emblemáticos, certamente, é o do oficial nazista Adolf Eichmann[ii]: ao ser julgado em Jerusalém por ter enviado milhares de pessoas para campos de concentração, revelou ser apenas um funcionário exemplar, cumpridor das leis.

Mas o mais interessante no caso de Eichmann é que se o serviço secreto de Israel não o tivesse capturado em Buenos Aires, à revelia do direito internacional, talvez ele nunca tivesse ido a julgamento. Nesse caso, em que pese a ausência de legalidade, ninguém ousou dizer que a conduta de Israel não foi legítima.

O direito não é um fim, mas um meio de se alcançar a justiça. Por esta mesma razão, o direito não pode ser um impeditivo para que se alcance a justiça.

Voltando ao caso brasileiro, muito se tem discutido a respeito da legalidade do impeachment da presidente da república. Poucos, porém, tratam o problema sob o aspecto da legitimidade.

O afastamento da presidente da república está previsto no artigo 85 da Constituição Federal, que enumera alguns dos crimes de responsabilidade e remete a sua definição e normas de processo e julgamento à lei ordinária (Lei 1.079, de 1950).

A fundamentação jurídica, ou seja, a exposição da conduta criminosa e o seu enquadramento na lei proibitiva (crime de responsabilidade, sob a forma de culpa), foi brilhantemente explicitada pelo jurista Ives Gandra Martins, em parecer publicado no início de fevereiro[iii].

Ainda assim, há aqueles que consideram que careceria base jurídica para o eventual processo de impeachment, por ausência de demonstração do dolo (intenção) de cometer o crime.

A discussão, supostamente científica, muitas vezes encobre preferências pessoais e ideológicas de seus contendores, nem sempre facilmente reconhecíveis.

Do ponto de vista da legitimidade, porém, não há o que justifique a permanência da Sra. Dilma Roussef na presidência da República do Brasil.

O artigo 1º, inciso I, da Constituição Federal de 1988, estabelece como fundamento da República Federativa do Brasil a soberania, e no seu parágrafo único declara: “Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição.”

É o princípio da soberania popular que fundamenta a própria república.

Portanto, a legitimidade para conduzir ou retirar um governante do poder é e sempre será do povo brasileiro.

Ainda que nenhum crime tivesse sido cometido – o que é obviamente apenas uma hipótese abstrata, pois já foi comprovada a ocorrência de diversos crimes– ainda assim, se o povo brasileiro decidir retirar a presidente da república ele é soberano para isso.

Por isso, as manifestações que ocorreram em 15 de março são legítimas, expressam a vontade popular e a insatisfação do povo brasileiro com os rumos da política nacional. Assim como é legítimo o pedido de “impeachment” daqueles que desejam que seus representantes promovam os atos necessários para o afastamento da Sra. Dilma Roussef da presidência da república, não apenas pelo cometimento de crimes de responsabilidade, mas também pela absoluta falta de condições morais de permanecer no comando da nação.


Notas:

[i]SHAPIRO, Ian. Os fundamentos morais da política. Martins Fontes, 2006.


[ii]ARENDT, Hannah. Eichmann em Jerusalém, Companhia das Letras, 1999.


[iii] MARTINS, Ives Gandra da Silva. A hipótese de culpa para o Impeachment. Folha de São Paulo, 03/02/2015.

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