sexta-feira, setembro 28, 2012






por Deborah Srour – 



No segundo capítulo da novela da semana passada, o promotor geral do Egito emitiu mandatos de prisão contra oito cidadãos americanos na terça-feira. Seus crimes seriam relacionados com a produção do trailer crítico de Maomé, usado como desculpa para todas as manifestações que vimos ao redor do mundo.

Um desses americanos indiciados é uma mulher que se converteu do islamismo ao cristianismo. De acordo com a Associated Press as acusações seriam: insultar e publicamente atacar o islamismo, espalhar informações falsas e ferir a união nacional do Egito. De acordo com a declaração do promotor-chefe egípcio, se condenados, os oito podem pegar a pena de morte. Um advogado egípcio entrevistado pela Associated Press disse que isso iria desencorajar qualquer um que queira expressar sua liberdade de expressão sobre o islamismo.

O desejo de intimidar as pessoas livres a se calarem sobre esta religião é um dos objetivos declarados da irmandade muçulmana. Três dias após os ataques à embaixada americana na Líbia, o chefe espiritual do grupo, Yussuf Qaradawi fez um discurso na televisão egípcia. Apesar de usar um tom aparentemente moderado, ele conclamou sua audiência a fazer de tudo para que a América criminalizasse os direitos de expressão ou críticas dos seus cidadãos ao islamismo – assim como fizeram seus camaradas europeus nos últimos anos quando confrontados com intimidação e terrorismo islâmico.

Senhores leitores, esta é uma guerra real que está sendo travada pelo mundo. Mas esta é pior do que todas porque o inferno do radicalismo islâmico não está limitado a um país ou região. Depois de expulsar os judeus com a criação do Estado de Israel, cristãos que moram em países muçulmanos não podem ir à Igreja, são humilhados, cargos oficiais e em grandes empresas lhe são proibidos, além de muitos serem convertidos à força.

Um embaixador americano é morto na Líbia no 11 de setembro e a resposta da administração americana é um ataque frontal à um dos pilares da Constituição dos Estados Unidos: a liberdade de expressão. Eu quero repetir o que disse na semana passada: estas manifestações não são sobre este filmeco. O ataque ao embaixador foi um ato intencional por muçulmanos radicais que procuram impor suas crenças ao resto do mundo. Não foi coincidência que também na semana do 11 de setembro os iranianos tenham aumentado o preço pela cabeça de Salman Rushdie (lembram dele?) por ter escrito os Versos Satânicos criticando o Corão, em 1989. Agora o prêmio para quem matá-lo subiu para $3.3 milhões de dólares.

E ao mesmo tempo em que os muçulmanos exigem respeito à sua religião e profeta, eles o negam às religiões alheias. A destruição dos Budhas em Bamyan em 2001, a regular conversão de igrejas e sinagogas em mesquitas, os discursos semanais chamando os judeus e cristãos de porcos e macacos, atestam à um duplo standard que os muçulmanos querem impor.

Nossa mensagem deve ser que isso não será tolerado!

Mas quero ir um pouco mais longe. Todos estes eventos são consequência direta da política de apaziguamento e desculpas impostas por Obama, este “gênio” de política externa apoiado cegamente pela mídia. Todas estas manifestações expuseram a falácia desta política e agora a mídia está fazendo de tudo para que Obama não leve a culpa.

Não é preciso voltar muito no tempo. Há quatro anos atrás, Obama decidiu dar sua primeira entrevista depois de eleito presidente dos Estados Unidos, ao canal de televisão Al Arabiya. Durante esta entrevista ele prometeu trazer a paz ao Oriente Médio. Aí ele fez sua primeira viagem ao exterior para o Cairo gelando Mubarak, aliado de longa data, e convidando representantes da Irmandade Muçulmana, na época banida pelo governo por suas atividades violentas.

Se qualquer um se der ao trabalho de ler qual é a missão declarada da Irmandade, entenderá porque ela foi banida por Mubarak. Seu motto é “Allah é nosso objetivo. O profeta é o nosso líder. O Corão é nossa lei. O Jihad é o nosso caminho. Morrer por Allah é nossa maior esperança.” Recentemente, o presidente eleito do Egito e membro da Irmandade Muçulmana, Mohamed Morsi, declarou que “Jerusalem será nossa capital”.

Um outro fator muito importante para compreender a política de apaziguamento desta administração é o seu relacionamento com uma organização que muitos provavelmente nem ouviram falar. A OIC – Organização de Cooperação Islâmica. Esta organização é a segunda maior do mundo depois da ONU. Eles dizem representar todos os muçulmanos do mundo, mesmo os que vivem em países não muçulmanos como os Estados Unidos. Em 2005 eles publicaram seu plano de ação para os próximos 10 anos para impôr no mundo inteiro um código de expressão baseado na Sharia.

Ouçam o que eles dizem e entenderão bem o que ocorreu na semana passada.

Seu objetivo é criminalizar internacionalmente toda comunicação ou qualquer expressão que na sua opinião seja ofensiva ao islamismo, mesmo em países como os Estados Unidos. Ninguém, não muçulmanos, não não-muçulmanos, não americanos, não brasileiros têm permissão para falar, escrever ou de qualquer modo comunicar algo que na opinião deles é ofensivo à eles ou à sua religião. Eles têm como objetivo forçar o Ocidente livre a dizer adeus à liberdade de expressão, liberdade de religião e este é o aviso que recebemos hoje.

Muitos podem pensar que isso nunca irá acontecer nos Estados Unidos, mas estão errados. O presidente Obama com a ajuda de Hilary Clinton, fizeram aprovar na ONU a Resolução 1618 que exige que países membros aprovem leis contra referências derrogatórias ao islamismo. Pior que isso, há um ano atrás, organizações islâmicas escreveram à Casa Branca pedindo para que todo o material usado por agências federais como o exército, FBI e CIA, fosse “limpo” de toda referência ao islamismo e que o pessoal fosse retreinado dentro de uma filosofia politicamente correta do islamismo.

Quando membros do Congresso americano perguntaram quem estava liderando esta “limpeza” e “retreinamento”, o Governo Obama disse que a informação era secreta e que os senadores e deputados não teriam acesso à ela. Se isto for verdade, senhores e senhoras, estamos muito atrás neste jogo. Estamos perdendo rapidamente nosso sentido de liberdade e prejudicando nossa capacidade de identificar o inimigo real. Em vez de aceitar a verdade básica e defender o nosso modo livre de vida, Obama justifica o colapso de sua política externa retirando dos americanos seu inalienável direito à livre expressão.

Nesta semana a Assembléia Geral das Nações Unidas entra em Sessão. Mais uma oportunidade para Ahmadinejad jogar seu veneno e Abbas tentar o reconhecimento do Estado Palestino. Obama diz estar com sua agenda cheia. De acordo com a senadora Bachman, ele tem uma entrevista com David Letterman, um encontro com Beyonce e outro com o cantor de Rap Jay-Z. Dá para entender porque ele não tem tempo de se encontrar com Netanyahu.

Obama precisa rearranjar suas prioridades. Há uma grande diferença entre apaziguar alguém que foi ferido por suas ações e apaziguar aqueles que querem sua destruição. Para apaziguar aqueles que odeiam seu modo de vida você precisa mudar seu modo de vida. Se o ocidente quer apaziguar o mundo muçulmano, deve decidir deixar de ser livre. E no século 21, depois de tudo o que alcançamos, acho que não é este o legado que queremos deixar aos nossos filhos.


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Filme anti-islã é usado por radicais em seu jogo político

Para TARIQ RAMADAN, conservadores tentam se impor como guardiões da religião no pós-primavera árabe e pressionar os moderados

MARCELO NINIO
DE JERUSALÉM


Os protestos que varreram o mundo islâmico nos últimos dias foram alimentados por grupos radicais que emergiram da clandestinidade depois do terremoto político causado pelas revoltas da Primavera Árabe.

A análise é do suíço Tariq Ramadan, 50, um dos principais pensadores do islã no Ocidente. Para ele, os protestos evidenciam a disputa pelo papel primordial de guardiões da religião e colocam pressão sobre os islamitas moderados que chegaram ao poder no Egito e na Tunísia.

"É uma contradição extremamente delicada: como se relacionar com o Ocidente de forma crítica e manter a credibilidade religiosa diante de sua população", diz ele.

Mas Ramadan não poupa críticas à política dos EUA para a região, à qual atribui parte do sentimento antiamericano. Uma das maiores contradições, afirma, é que os EUA mantenham como aliadas as "petromonarquias" do golfo Pérsico, que são as principais fontes financeiras e ideológicas dos salafistas.

Leia trechos da entrevista concedida à Folha por telefone, de Paris.


Folha - Por que um filme que poucos viram é capaz de incendiar o mundo islâmico?

Tariq Ramadan - Não é uma surpresa, se lembrarmos da controvérsia das caricaturas [do profeta Maomé] na Dinamarca, em 2005. O problema é que hoje nos países de maioria muçulmana há correntes que usam essa controvérsia com o objetivo de se apresentar como a única e exclusiva corrente islâmica.

Militantes salafistas (islamitas ultraconservadores) empurraram nesse rumo no início dos protestos, no Egito. Depois eles se alastraram para outros países, onde as pessoas nem viram o filme, mas tiveram reação emocional ao desrespeito ao profeta.

Líderes e intelectuais islâmicos têm a responsabilidade de deixar claro que violência não é aceitável e que o islã nos ensina a ser sábios em nossas reações.

Quem são os salafistas? Há coordenação entre eles?

É uma questão importante, porque as revoltas no mundo árabe deflagraram uma disputa entre islamitas na Líbia, na Tunísia e no Egito.

Os salafistas estão tentando competir pela credibilidade religiosa nas sociedades. Há 15 anos, eles rejeitavam o jogo político, dizendo que a democracia não é islâmica.

Mas algo mudou. Tendemos a esquecer, mas isso começou no Afeganistão, quando o Taleban, que estava distante da política, foi usado contra a Rússia pela Arábia Saudita, com o apoio dos EUA. Em oito meses, tornaram-se uma força política.

No Egito, em seis meses vimos grupos que consideram a democracia anti-islâmica criando partidos e ganhando 24% do Parlamento.

Está claro que, embora não seja um só grupo, há conexões. A Rand Corporation publicou um relatório há três meses dizendo que, um pouco antes da eleição no Egito, organizações do Qatar e da Arábia Saudita colocaram US$ 18 milhões (R$ 36 milhões) em grupos salafistas.

Na Tunísia, também houve apoio semelhante. Portanto, esses grupos estão recebendo um empurrão. Supõe-se que todos sejam islamitas e trabalhem juntos com a Irmandade Muçulmana, mas na verdade ocorre o oposto.

O objetivo é criar divisões na tradição islâmica sunita. O mundo islâmico vive uma competição por espaço.

Há um terceiro fator: nesta semana, participei de uma discussão com Paul Wolfowitz [ex-subsecretário de Defesa dos EUA], que tentava explicar que os EUA cometeram um erro ao deixar o Qatar se envolver nas medidas de segurança da Líbia.

Eu respondi que é estranho os EUA dizerem que o Qatar é o aliado errado. Os EUA são aliados das petromonarquias do golfo Pérsico, de onde os salafistas recebem recursos financeiros e ideológicos. É um jogo bastante complexo, que vai muito além de saber se você está com os salafistas ou com o Ocidente. E varia de um país para outro.

Qual o interesse dos EUA em ter aliados que apoiam radicais antiamericanos?

É uma contradição não resolvida e muitas vezes usada pelos EUA. À primeira vista, qualquer tipo de desestabilização nos países muçulmanos é contra os interesses americanos. Mas também justifica sua presença na região, o que significa controle.

Devemos ter uma compreensão mais profunda do que está acontecendo. A instabilidade nesses países não joga só contra os interesses americanos, mas também a favor.

Como os EUA devem lidar com as petromonarquias?

Nada justifica violência e assassinatos, é anti-islâmico. Mas o governo e a sociedade americanas têm que entender que a percepção geral no Oriente Médio é que os EUA só se importam com os seus próprios interesses. Ontem estavam apoiando ditadores e hoje apoiam democracias, mas só para garantir espaço.

A percepção é que os americanos não se importam com o derramamento de sangue nem com a dignidade dos árabes. Adicione-se a isso o apoio unilateral a Israel e a discriminação contra os palestinos. O que esperamos do governo americano é coerência: se falam de democracia, que apoiem todos os democratas, e não só quando lhes for conveniente.

Obama parecia ter ficado do lado certo da história quando apoiou as revoltas árabes, ainda que com atraso. Isso não melhorou a imagem dos EUA?

Há um grande desapontamento com Barack Obama na região. O que ele fez diferente de George W. Bush? Nada. Há seis anos Bush disse que queria democracia no mundo árabe. São só palavras. O que queremos é mais ação.

Mostre-me o que mudou para os palestinos com Obama na Casa Branca: nada. O que mudou para as pessoas que estão em Guantánamo?

Além desses motivos, o sr. concorda que há um sentimento anti-Ocidente enraizado na cultura islâmica?

É verdade, e esse talvez seja o principal motivo da hostilidade. O mundo árabe e os países do sul cultivam um sentimento antiamericano que é composto por grande dose de vitimização.

É claro que há uma tendência no mundo árabe de culpar o Ocidente por tudo e ver os EUA como o demônio. Mas o fato é que a maioria tem percepção negativa. Por isso os EUA têm que fazer um esforço maior para explicar o Ocidente nos países islâmicos.

Governos islamitas moderados, como Egito e Tunísia, terão de escolher entre os papéis de guardiões da democracia ou defensores do islã?

Sim. Estão diante de uma contradição delicada: como se relacionar com o Ocidente de forma crítica e ao mesmo tempo aberta e manter a credibilidade religiosa diante de sua população. É uma situação traiçoeira e um dos desafios do processo democrático.

Os islamitas moderados têm força suficiente para manter esse equilíbrio?

Devem ter o cuidado de não cair na tentação populista de querer ser mais islâmicos que os outros. É preciso propagar a mensagem de que a referência islâmica é manter-se crítico sem ser violento. Não se pode cair na armadilha da divisão entre facções.

No Egito e na Tunísia, a Irmandade Muçulmana diz ter como meta um "Estado civil com referência islâmica". Essa definição não aumenta o espaço para disputas?

Sim, isso precisa ser esclarecido. Essa referência é diferente para moderados e reformistas. Pode ser que algo emerja da experiência política, como na Turquia ou na Malásia. É possível ser democrático com valores islâmicos, como na Turquia.

Mas alguns princípios são inegociáveis, como separação de Poderes, igualdade entre os cidadãos e distinção entre o poder político e o religioso. Ainda é cedo para saber se isso será alcançado.

A emergência de grupos radicais pode desviar a Primavera Árabe para o modelo de islã ultraconservador?

É preciso pôr as coisas em perspectiva e lembrar que milhões se manifestaram de forma pacífica para pedir justiça e democracia, e agora há uma minúscula minoria revoltada contra o que é percebido como insulto ao islã.

Claro, qualquer coisa pode acontecer. Por exemplo, se Israel decidir atacar o Irã, ninguém pode prever qual será a consequência. Mas eu ainda acho que o movimento popular por democracia é mais profundo e amplo do que reações emocionais causadas por um filme. Líderes e intelectuais muçulmanos precisam levantar a voz contra a violência cometida em nome da religião.












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