segunda-feira, julho 02, 2012

INTOLERÂNCIA.



por Rabino Adrian Gottried

Controvérsia é um elemento componente do ato de levar ideias a sério. A verdade é que nós temos profundas divergências no campo da teologia e da prática religiosa.

E estas diferenças não podem ser varridas, nem podem ser minimizadas. Mas a resposta correta para diferentes opiniões é argumentar mais. E não procurar unanimidade.

Para que sejamos agentes de bênçãos em nossas próprias vidas e no mundo à nossa volta, nós precisamos estar aptos a distinguir entre os desafios que têm integridade e os que não têm. Como fazemos isso? Argumentos com integridade são caracterizados pela abertura e respeito.

Hilel e Shamai – e seus discípulos, Beit Hilel e Beit Shamai – ouviam uns aos outros e ocasionalmente eram convencidos uns pelos outros. Há uma série de quatro debates na Mishná Eduiot (1:12-14) onde os Beit Hillel eram convencidos pelos argumentos dos Beit Shamai. A abertura pode servir como indicação de que o argumento não é guiado pelo ego.

Na semana passada, uma carta impressa em papel oficial do governo israelense, assinada pelo Rabino Chefe Sefaradita de Israel Shlomo Amar, convoca todos os rabinos para uma reunião em seu escritório na terça-feira seguinte. A linguagem utilizada no documento é inflamatória e incitativa, referindo-se aos rabinos não ortodoxos como “terroristas”, cuja “única intenção é causar dano à santidade da Torá”.

O Estado de Israel e o povo judeu aprenderam a mais amarga das lições através do assassinato de querido Primeiro Ministro Yitzhak Rabin (z’l): que o linguajar incendiário pode resultar em consequências devastadoras. Falamos como comunidade, exigindo que esta ameaça à segurança física dos rabinos masorti e reformistas, não somente sua integridade pessoal, seja defendida.

A convocação é uma reação ao decreto do Procurador–Geral israelense Yehuda Weinstein, determinando que rabinos não-ortodoxos em Israel tenham seus salários cobertos por orçamentos públicos, igualando o direito de mais de 4000 rabinos ortodoxos bancados pelos contribuintes israelenses. O Talmude (Arachin 15b) ensina que a fala com ódio tem o potencial de matar. A linguagem utilizada pelo rabino Amar coloca todo o povo judeu sob risco de violência.

A vasta maioria dos judeus do mundo não está de acordo com a linguagem de ódio de um dos dois principais líderes religiosos financiados pelo governo de Israel. Pedimos que as fontes do estado judeu sejam devotadas ao ensino e a propagação do amor ao judaísmo e ao povo judeu. Como ele se atreve, o rabino Amar! E como o Estado de Israel se atreve a lhe dar este título! Ele não representa o Povo de Israel.

As más notícias do rabinato israelense oficial e outras autoridades rabínicas têm criado um efeito de reflexo do escândalo causado por Korach & Cia.

Na Torá, os rebeldes liderados por Korach queriam criar uma anarquia, dissimulando estruturas políticas e religiosas da comunidade. Hoje em Israel, um estado democrático, judaico, moderno e contemporâneo, o rabinato busca abafar a sociedade usando o aparato do estado para controlar as vidas de todos os israelenses, controlando as estruturas polícias e religiosas do Estado.

E na sequencia da semana passada, em Jerusalém, a polícia deteve uma mulher no Muro das Lamentações durante mais de três horas, porque ela, junto com outras 65 mulheres do grupo Mulheres de Kotel, faziam suas orações do serviço de Rosh Chodesh. O porta-voz da polícia de Jerusalém, Shmuel Ben Ruby, disse que Houben foi detida por estar usando um talit para homens, ou xale de rezas, algo proibido para as mulheres pela lei israelense no Muro das Lamentações. Houben colheu digitais e foi fotografada na delegacia, e solta 3 horas mais tarde. Foi também banida do Muro das Lamentações por sete dias, sob pena de uma multa no valor de NIS 3.000.

Como escreveu o aluno rabínico do JTS, Mikie Goldstein: “Israel é a única democracia no Oriente Médio e, de fato, a única no mundo inteiro onde uma mulher judia pode ser presa por usar um talit (xale de reza!) em uma sinagoga”.

O judaísmo de Israel está sob ataque de uma corrente dominante do fundamentalismo judaico, fundado e politicamente capacitado pelo governo israelense.

Será que esses fatos apagam o nosso receio e comprometimento – financeiro, político e espiritual – com a segurança de Israel, dado que mais de 100 mísseis foram disparados de Gaza contra Israel nos últimos dias? NÃO! Isso deveria, entretanto, relembrar cada judeu que ama Israel no mundo que a dupla missão do sionismo exige uma resposta de dois níveis: (1) protegendo os muros de nosso lar e (2) assegurando que nosso lar seja ocupado corretamente.

A instituição do rabinato estatal parece incapaz de argumentar que suas ações sejam justificadas pelo amor a Deus. Seu foco está no aumento do próprio poder temporal. Já passou da hora do Estado de Israel reconhecer que seu rabinato oficial se assemelha à rebelião de Korach: é um fracasso épico, desastroso. Não há valores duradouros suscitados por essas controvérsias.

A carta de Amar e a prisão no Kotel por vestir talit não representam apenas um mau dia para o judaísmo em Israel. Mais do que isso – representam um mau dia para TODO o povo judeu.

A Shalom, como uma comunidade judaica plural, inclusiva e igualitária, repudia esta carta e os dizeres injuriosos do rabino Amar e soma a nossa voz de alerta frente a este intolerável avanço do fundamentalismo dentro do Estado de Israel.

O Sionismo continua não realizado enquanto o ódio judaico interno for apoiado pelo Estado Judeu e tolerado pelo Povo Judeu.

Toda diferença de opinião em benefício dos Céus, no fim irá vingar, mas toda aquela que não for, no final, não vingará.
Qual é o exemplo de diferença de opinião em benefício dos Céus?
Os debates entre Hilel e Shamai. E um exemplo de diferença de opinião que não ocorre em benefício dos Céus?
A disputa de Korach e seu bando contra Moisés.
Números 16 – Mishná, Pirkei Avot 5:20

Adrian Gottried é Rabino da Comunidade Shalom em São Paulo
4 Tamuz 5772- 24 junho 2012

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